terça-feira, 24 de abril de 2012

à margem de um gesto e de um fórum


Mário Soares não vai estar presente nas comemorações do 25 de Abril deste ano. Ao arrepio de todas as criticas que já li e de outros comentários a verberar quem criticou a posição do político, devo dizer que Mário Soares tem legitimidade, como cidadão, de participar naquilo que lhe aprouver e onde lhe convier. Como ex-Presidente e ex-Primeiro-Ministro, que continua a viver, de forma sibarita, à custa do erário público, que, para além de lhe pagar as mordomias, ainda lhe salda as multas por desvarios de velocidade e outros pecados mais ou menos confessáveis, Mário Soares já não pode, por capricho, eximir-se a certas presenças. Noblesse oblige.

Mário Soares pode não gostar deste Governo. Muita gente boa não gosta! Mas, que me conste, as comemorações nada têm a ver com o Governo, decorrem na casa de democracia onde se sentam todas as correntes políticas portuguesas. Por respeito a socialistas, comunistas e outros esquerdistas, Mário Soares, não fosse por mais nada, deveria respeitar quem ainda acredita nele como um dos grandes barões da democracia.

A mim, Mário Soares pouco me diz ideologicamente. Talvez porque ele enterrou – ou guardou na gaveta - todas as ideologias que nos vendeu durante a longa noite. Mas respeito a disponibilidade democrática que emprestou (parece que, de facto, nunca deu, no sentido bíblico, nada a ninguém) ao país. Mas o país pagou-lhe de volta com juros, deu-lhe estatuto, motorista, carros, poder imenso e, até, uma Fundação! E até lhe permite diatribes como esta de se dar ao luxo de faltar à comemoração do dia que lhe trouxe o paraíso. A Mário Soares até lhe é permitido, com louvores vários, morder na mão que o sustenta e ampara os seus vícios de homem rico. Logo, o Dr. Mário Soares deve ao País o respeito que, pelos vistos, não é o seu forte.

Recuso-me a comentar aqui outros estádios do seu percurso político, menos abonatórios. Não gosto é de ler comentários como os do fórum do Expresso sobre Ricardo Costa quando disse que esta ausência era "Um dos erros políticos mais graves de Mário Soares". Alguém, entre muitos outros, que pratica ou metaforicamente insultaram o jornalista, escreveu, então, que “O Dr. Mario Soares tem toda a legitimidade e direito de comparecer onde muito bem quer e onde se sente bem, é a ele que voçe deve o fato de estar em liberdade de imprensa e de opinião, é a ele que voçe deve toda a sua pompa trabalhista, é a ele que voçe deve o fato de fazer comentários inuteis e inoportunos” (transcrito sem edição…). Que me conste, quando Portugal acordou na alvorada de Abril, ainda o Dr. Mário Soares estava fora do país, limitando-se a regressar para herdar uma democracia de que haveria de servir-se ao longo destes 38 anos. E, mesmo quando marchou contra os comunistas, ainda estou para saber se, não tivesse sido o Almirante Pinheiro de Azevedo, a grande marcha teria vingado. Como mais tarde, se não tivesse sido Ramalho Eanes, será que ainda tínhamos democracia, mesmo com Mário Soares?!

É conhecida alguma tentação para se reescrever a história no sentido de salvaguardar a imagem de alguns senadores e branquear alguns dos seus actos políticos mais controversos, transferindo a responsabilidade para outros. Mas, se hoje estamos na mão da Europa e do seu dinheiro é porque vultos como Mário Soares nos encaminharam para este pesadelo da soi disante Europa unida, ou União Europeia. E foram alguns dos seus herdeiros – a quem deu cobertura – que transformaram este país naquilo que ele hoje é, corrupto e decrépito, sem honra na sua história e com um presente envenenado por uma casta de gente que apenas se preparou para subir nas costas e na boa-vontade do povo, aproveitando-se da sua ingenuidade e falta de memória (Ah! Foi Mário Soares que o afirmou: o povo não tem memória…).

Sim, estou revoltado! Trabalhei quase quarenta anos, participei na revolução (era oficial miliciano aquando do golpe), obrigaram-me, em Moçambique, a participar numa descolonização com a qual não concordava (não fugi como tantos outros “revolucionários”, desses que faltam aos seus deveres institucionais, para o exílio, fiquei por cá, aguentei a ditadura e os seus efeitos, lutei aqui pela liberdade apesar dos perigos, não desrespeitei a minha bandeira), estudei a trabalhar para poder subir na vida e poder ter uma aposentação digna, e o que me fizeram?!

Sim, estou revoltado!

Sei que não devia! Faz-me mal à hipertensão, à diabetes, às maleitas a cujo tratamento é cada vez mais caro chegar. Por culpa de quem? Talvez minha por ter tentado ser um cidadão!

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